quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Criolo.

O que somos nós afinal, se não um pouco do que os nossos são?
A vida faz questão de nos recordar de vez em quando que não estamos sós.
Não tenho muito tempo, mas tenho-o. Calma.
Se fizermos um pequeno esforço ou tentarmos encontrar um pouco de tempo mesmo quando o tempo já é pouco, conseguimos listar uma multidão de situações em que alguém, seja por obra da casualidade ou não, nos lembra de que sozinhos e apagados dos outros, não passamos de vultos, servos da confraria.
Neste primeiro dos cinco dias, não me apetece falar do surf na Cortegaça, das ondas da Torreira ou do vento de Espinho. Valeu-me a viagem de autocarro. Valeu-me ninguém.
Com ou sem alguém, estava sentada junto à janela, de pernas e cabeça dobradas sobre o bloco em que agora pouso o lápis.
Deixava que o sol me enroupasse a cara, que as árvores andassem para trás e os traços brancos do chão fossem engolidos enquanto tentava decifrar o que é que passeava na minha cabeça nesse urgente instante.
Não estava fácil. Fosse o que fosse, devia estar escondido, prudente e… sozinho. Tal como eu, tal como nós.
Nisto, numa das várias vezes em que o autocarro quebrou o seu ritmo de acelerar e o meu de meditar, reparei num grupo minimamente gigante de crianças azuis.
Devia de ser mais uma daquelas colónias de férias para entreter a miudagem.
Dois deles, de ar amável e enfadonho, olharam para mim e apontaram para onde estava a escrever.
São impressionantes as conclusões imprescindíveis à vida que aspiramos em micro segundos.
Ele vivia numa casa longe do mundo, ele não se sentia só. Não estava.
Mesmo eu, nesta minha tentativa falhada de me afastar de todos, de me deparar apenas comigo, mesmo eu neste meu pequeno egoísmo, escrevo neste momento sobre outros.
Estou aqui por causa dos outros. Por causa das coisas.
Escrevo, vou surfar, ando, sorrio e choro porque existem sempre outros. Existe sempre alguém. Ninguém é intocável, por mais que se faça.
Até neste autocarro, poderia dirigir-me a qualquer um. Todos têm uma história, todos têm alguma coisa a dizer se me apetecer falar. Todos me podem fazer rir.
Alguém, cá dentro ou lá fora, talvez me dê um ombro se me apetecer chorar.
Mesmo quando seguro na prancha e vou para dentro de água a considerar que estou, finalmente, sozinha… até ai, interiormente, faço um ‘zoom inverso’ como se estivesse a olhar do céu para mim mesma.
Vejo-me sentada no meio da água, segue-se a areia, as dunas, as estradas, as casas das pessoas, mais ruas, mais estradas, mais praias, mais e mais pessoas, que comem, dormem, saltam, riem, cantam… surfam…
Estou realmente longe… mas não estou sozinha.
Quando o vento me assopra a cara consigo ouvir as crianças a cantarem na Índia, um mendigo em Israel, o violino na Argentina, um grupo de amigos a tocar viola em Itália, os camelos e as feiras em Marrocos, as mulheres a esfregarem a roupa em África, as luzes do Japão, o wax a raspar numa prancha na Austrália (e acho que deve ser o Bruno, um amigo meu que foi para lá viver com a namorada alemã).
Poderia ouvir mais se assim quisesse. No entanto, estou ali, a fazer o mesmo que tento fazer agora. Dessa vez não alcancei, desta não alcanço e na próxima não alcançarei.
Não consigo acreditar que eu seja insensata por pensar desta forma, quando são os outros que não contemplam em seu redor e apenas dão valor às suas pessoas, aos que pensam como eles, inaptos de seguir as pegadas de um estranho.
O que é que importa a cor da pele de alguém?
Somos todos iguais. Estamos todos ligados.
Juro-vos que estou a respirar e estou acordada, garanto-vos isso.
Bem sei que para muitos, estas palavras não passam de um sonho.
Mas existe quem as torne reais, em todos os cantos do mundo existem esses… que não estão sozinhos.
Muitas vezes concordamos com o que temos de concordar e pensamos que temos sempre de ter mais do que precisamos.
Só que, mais uma vez e como sempre… o ritmo acelera. Uma musica.
A bateria começa a bater mais rápido, marca o ritmo, e por sermos as pessoas do mundo… não podemos parar para pensar nesses pormenores, não é assim?
Não serão estes os mais importantes?
Não são estes que dão valor e significado à vida?
Não serão estas pequenas realidades que fazem com que esta passagem pelo Planeta Azul seja mais do que apenas isso?
Bom… agora não tenho tempo. Mas devia. Devíamos! Porque o tempo é agora.
Ainda no autocarro, escrevi numa folha em grande: “Bom dia!”. Mostrei-lhes pela janela e tentei soletrar o que tinha escrito.
Entenderam-me. Reacção em cadeia!
Em menos de um minuto a viatura voltou acelerar, as árvores a andar para trás, os traços brancos do chão a serem engolidos.
Quando olhei, vi todo aquele tropel a acenar-me. Pelos movimentos dos lábios, compreendi que também estavam a dizer “Bom dia!”, mas num tom mais continuado.
Neste dia não estava à espera de receber os ‘bons dias’ de ninguém.
Hoje quis, e quero, agradecer a todos pelo simples facto de existirem. A todos!
“Vivemos tão ligados uns aos outros, neste arco, neste ciclo sem fim.”
Obrigado.

domingo, 14 de novembro de 2010

Surfing In Vita.

Este texto vai soar-vos um pouco a ‘deja vu’, de um outro de Pedro Adão e Silva chamado “A Vida A.S. e D.S.”, no entanto, depois de ler esse artigo, não pude deixar de escrever um pouco sobre a história de Nuno Vitorino e tantos mais que, de uma forma ou outra, nasceram de novo depois do surf.
Por vezes fico a reflectir se o surf é mesmo para todos, ou se é ele que nos escolhe. Quase como quando falam de Deus às crianças. Dizem-lhes que Ele não escolhe ninguém mas é preciso estar-se aberto e predisposto para verem, para sentirem e para entenderem, logo, por um lado, existe uma certa selecção natural.
Ele não pode ajudar nisso, seguidamente, os que não estão também não vêm, não sentem e não entendem.
A meu ver, assim acontece com o surf. É urgente estar-se aberto e predisposto a sentir o que mais de espectacular o mar e a Natureza nos têm para oferecer, é preciso amar, é preciso querer muito, é preciso falhar e voltar a tentar, é indispensável ver as ondas com outros olhos para se ser surfista, com S grande, para que o surf nos envolva e não só faça parte, como se transforme no nosso modo de vida.
Como dizia nas outras letras, Nuno “ficou tetraplégico desde os dezoito anos quando foi ferido acidentalmente por um disparo de uma arma de fogo manuseada por um amigo”, mas não desistiu da vida, não se limitou à existência e foi atleta paraolímpico.
Como digo, o melhor que a vida nos oferece somos nós mesmos. Ainda tinha isso na gadanha e não desperdiçou.
Agora, aos trinta e dois anos, faz surf. Se foi predilecto ou não, não consigo apurar. Mas é surfista: faz, sente e entende.
Com um conjunto de amigos criou o “Estado Liquido”, para ajudar jovens com deficiências a superar todas as contrariedades que o surf ostenta.
Nuno contemplou nesta experiencia de contacto com a água, com o sal, e com o sol, uma nova vida. Ou melhor, a vida. Viu no mar uma forma de ajudar os outros, um objectivo, uma razão para alguma coisa. Sentiu uma recompensa momentânea pelo esforço.
Já nos Açores, mais especificamente na Fajã da Caldeia de Santo Cristo, situada na ilha de São Jorge, a paixão pelo surf falou para alem da razão.
Carlos Valério, tem cerca de trinta e seis anos, dos quais, sete passou a viver sozinho neste paraíso.
Construiu uma casa de raiz na fajã e reformulou completamente o seu estilo de vida. Surgiram muitas dificuldades a nível profissional e pessoal, o surf e a paz que ele nos oferece deram-lhe uma nova filosofia, mostraram-lhe um novo rumo.
“O preço da saúde é sem duvida o mais caro”, diz-nos ele.
Quantos Carlos existem por ai fora? Quantas são as criaturas que jogam com o relógio para poderem surfar uma hora por semana? Uma não, mas, a hora por semana.
Quantos não o vêm como vida dentro da rotina? O desejo, a crença.
Em Santos, no Brazil, Valdemir Pereira de trinta e sete anos, com tem deficiências visuais, quis surfar.
Sentiu, de certo, uma vontade de entrar na harmonia das vagas, de sentir o sal da água a fugir-lhe dos pés, a energia, o poder, uma vontade gigante de ter o bom sem o mau.
“Os sentidos estavam alerta para a direcção do sol, os retrocessos da maré, o som das ondas.” O surf no seu estado mais puro.
“Uma pessoa não está limitada ao que vê.” – disse Val que sonha em poder dar aéreos e ter a sensação real de voar.
Depois do surf, sentiu coragem para tentar outras actividades como a capoeira.
Superar os limites é uma forma de demonstrar que deficiência não equivale a falta de capacidade ou inteligência.
E, fora destes casos extremos, existem resmas de casos em que este desporto (se assim o podemos avaliar) mudou, continua a mudar e dar vida a muitas pessoas.
Ocupando ele o estatuto de refugio, de paixão, de utopia, de vicio, de estado de liberdade, de companhia, de compensação, de razão, de felicidade… ou qualquer outro, conforme quem conta, facto é que existe mesmo “A Vida A.S e D.S.”, marcada pela desfiguração das pessoas arcaicas e triviais.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

We can make the World win! - O Apelo.

Sentada na areia, com areia à frente e areia no sangue.
Uma vez, num texto escrito por Nuno Lobito, li que somos “escravos da nossa própria existência”. Na altura, som todo o meu cepticismo, achei a frase totalmente verdadeira.
No entanto, depois de pensar um pouco mais no assunto, depois de deixar a frase entrar-me como sal, cheguei à conclusão de que não era assim tão verídica.
Nós não somos escravos da nossa existência, nós não somos, logo à partida, servos.
Somos nós que decidimos o que somos, ou pelo menos, pelo que queremos lutar para ser.
Por mais que a sociedade se encarregue em tornar esta reflexão numa utopia, existem outros pequenos momentos que estão ao nosso total alcance e a tornam autêntica.
Atiram-nos à focinheira todos os dias que vivemos num mundo injusto, que por mais que façamos nada nos irá levar a lado nenhum.
Desaguam notícias de que a vida está (ainda mais) difícil, que existem problemas sem solução acessível, exemplos de vidas que perderam o brilho e nos cortam nos sonhos.
Dizem-me (dizem-nos) que as multidões de jovens esperançosos que existem e têm o espírito de mudança, não têm impacto nenhum.
Talvez ainda não tenham porque os ‘adultos’ sábios e experientes perdem essa alma, esquecem-se dessa inteligência, perdem-na, embora concordem e a sua vontade seja comum. Não agem.
Já interiorizaram o facto de serem “escravos da sua própria existência”.
Claro, sim claro, falo de uma forma generalizada, tal como anteposta a frase.
Resta-nos esperar que essa massa de jovens se torne adulta e acreditar que irá ter a força necessária para não se banalizar?
Ou será que podíamos começar desde já a mudar, a libertar-nos dessas tais cadeias hipotéticas?
Convido-vos a saírem, pisarem a areia, a terra, a água…
Convido-vos a sentirem o ar, a chuva e o sol. Convido-vos a abrirem os braços à natureza e à existência, a deixarem que o corpo sonhe por um bocadinho, a fecharem os olhos, a ouvirem, e principalmente… a serem o que outrora foram.
Convido-vos a porem de lado a vingança nos outros tantos iguais a vocês, os outros que também foram injustiçados e se iram querer vingar.
Convido-vos a darem o vosso melhor, a darem sem esperar sempre receber.
Peço-vos que dêm um modelo a seguir, que ajudem e aceitem ser ajudados.
É errado desistir do difícil, cruzar os tentáculos e esperar que os próximos façam por nós.
Deixem o “no meu tempo…”, o vosso tempo é agora!
É obvio que é mais fácil abonarem-me com uma lista de problemas, uma série de argumentos para me desvendarem que “não há nada a fazer”, mas desculpem-me, vou continuar a acreditar em vocês.
Eu acredito, acreditem!
Como eu existem mais do que vocês avaliam. Aliás, existem mais como vocês que ainda acreditam do que imaginam existir.
Não se deixem ganhar, não se deixem disseminar.
Convido-vos a reflectirem um bocadinho na beleza da vida humana e no que o planeta vos oferece gratuitamente.
Toda a gente, em qualquer parte do mundo, precisa de outro alguém. Somos 7 bilhões no mundo. Mesmo quando achamos que estamos sozinhos, não estamos, de todo.
Quando consideramos que ninguém vai querer o que queremos, vamos tentar lembrar-nos da dimensão da raça humana.
Todos queremos o mesmo.
Cada um escolhe o seu caminho, cada um decide pelo que lutar, decide no que acreditar, decide se irá ser fraco ou forte, se será escravo ou pioneiro.
Uma coisa é certa, ninguém é de ninguém e o melhor que a vida nos tem para oferecer somos nós mesmos.
Comecem por tentar tornar o mundo num lugar melhor para viver, mesmo que por agora, seja apenas o vosso mundo e o das pessoas que vos rodeiam.
Acreditem na reacção em cadeia.
Ela existe, garanto-vos!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Come as you are, as a friend...

As surfadas com vista para a ponte do Tejo sempre foram muito diferentes das dos outros dias, sempre foram melhores!
As surfadas à noite, contigo, sempre foram uma viagem muito maior.
Sempre aprendi muito mais, sempre sai mais cansada, sempre sai mais culta. Sempre. Até ao dia.
A escolha era, ou foi, minha. Inteiramente minha. A escolha foi feita sem o teu consentimento.
Mas neste momento, estou aqui, sem nada mais por dizer, só eu. Como sempre fui. Pura, de caneta e lápis na mão, outra vez.
Sem duvidas do que quero, do que era certo e do que será certo.
Esfrego a caneta para que a tinta não me falhe quando, daqui a breves minutos, estiver de lágrimas a arrefecerem-me o vulto e travão no coração.
Fui para a praia cedo contigo, deitadas na areia de barriga para baixo, falei-te do que fui, do que sou, do que quisera ser. Gostava de estar ali.
Naquele momento, por mais que fossem as propostas, não preferia estar em qualquer outro lugar, nem a ouvir qualquer outra voz.
Contaste-me a história da tua vida. Eu contei-te a história da minha vida.
Pediste para te contar mais, eu contei. Eu pedi. Tu contaste. Lembranças.
- Descansa.
Dizias-me tu, muito mais cansada que eu.
Um dia. Dois dias. Três dias. Quatro dias. Como diria o Diogo “Quererias que notassem?”, ninguém notou nada. Somos só duas. Ninguém se importa com o que fazemos ou não, salvo os outros que se juntam connosco, mas também lá se vão juntando com os deles, os outros dos outros que já não são nossos, e por assim adiante…
O segredo para se ser feliz está em procurar-se vários breves momentos de felicidade, disse-me ele. Procurei-te. Não te encontrei. Julguei que nunca mais te iria encontrar.
O que é que nos aconteceu outra vez? Quem foi que errou desta vez? Isso não me importava muito. Uma vez uma, outra vez outra.
As pessoas crescem, as pessoas melhoram, as pessoas mudam. Mas os sentimentos não cambiam. Ou melhor, diversificam, mas os grandes, são quase como inevitáveis. Assim como tu.
O que me importava é que estava sentada na praia, com vista para a ponte do Tejo, à mesma hora que costumava estar contigo… mas sem ti.
Sem ninguém para me fazer perguntas, para me meter a mão por cima do ombro. Sem ninguém para me apontar.
Como antigamente, tinha outras propostas, todos nós temos sempre, pelo menos, uma segunda escolha. Mas, como outrora, eu queria estar ali contigo, mesmo que não estivesses tu comigo.
Será que estavas bem? Será que também te lembras do que aprendemos uma com a outra quando, em princípio, não teríamos nada para ensinar?
“Come as you are, as you were, As I want you to be, as a friend, As a friend, as an old enemy.”
Quero que venhas, neste momento, tal como és, como uma Amiga. Sinto saudades tuas.
Quero que me voltes a contar tudo de novo, quero que me digas como estás, quero que me lembres de uma canção. Esqueci-me neste momento.
E afinal de contas… ninguém vai notar nada. Ninguém vai notar a tua falta, nem a minha, nem a nossa.
“Take your time, hurry up, Choice is yours, don't be late, Take a rest, as a friend”.
Demora o teu tempo. Eu estou a pensar ficar por aqui. A escolha é tua. Eu já apurei.
“As I want you to be.”
Mas não venhas alterada. Quero que venhas tu e não outra pessoa qualquer.
Não convides outro ‘eu’ para encarar o teu. Se assim for, anteponho que não venhas.
“And I swear that I don't have a gun, No I don't have a gun, no I don't have a gun.”
Desta vez não estou armada. Deixei a armadura para lá da memória. Podes atacar que eu não me vou defender, podes tirar sem repor.
Não pode ser normal, mas obrigada!
Gosto de te ter de volta. Gosto de surfar contigo. Gosto de ser. Gosto de estar.
Gosto de ti. Gosto do Mar.

sábado, 2 de outubro de 2010

Professor Lotschenpass.

Já faz algum tempo que estava para escrever este texto.
Tinha e tenho, uma vontade gigantesca de o ver escrito.
Queria ver as letras pousarem no papel enquanto a água se arrumava nos meus olhos quando relembro algumas passagens, algumas imagens.
Não o escrevi mais cedo porque tinha medo de não conseguir, de caneta na mão, produzir algo tão astronómico quanto esta viagem.
Tenho medo de que, quem vá ler, não consiga sentir o pulsar do coração um pouco mais forte ou uma vontade indubitável de… alcançar.
Depois, hoje e agora, percebi que é impossível conseguir que quem leia, veja exactamente as mesmas imagens que eu, sinta o que eu senti.
Apesar de considerar que é quase obrigatório acompanhar estas letras (principalmente estas) com algumas fotografias, é quimérico que consiga transmitir o sol na pele, o ar nos pulmões, a terra dentro das botas, o cansaço, o gosto…
Mas está tudo no sítio, espero eu, para quem quiser visitar!
Se vos disser que neste momento tenho uma explosão de sentimentos dentro de mim, acreditariam? Sinto-os misturarem-se, confundirem-se, e competirem para se fazerem ver.
O arrepio do vento, o brilho no olhar ao contemplar a cativante vegetação, o toque do ar, do gelo, da neve, da rocha…
A Natureza tal como ela é. A Natureza sem interposição do homem.
É um pouco irónico que o homem ainda procure estes espaços e se submeta a certas situações para os viver.
Mas existem homens e Homens, é um facto.
Antes de partir, de mochila incorporada, não sabia bem o que me esperava.
Estava feliz, mas não conseguia estar ansiosa.
Agora posso dizer-vos, com toda a minha verdade, que eu não sabia mesmo o que me aguardava.
O dia começou bem cedo (6h30).
O hike até ao abrigo de Lotschenpass, a 2700m de altitude, era o esboço já à muito sonhado por mim e pelo meu grupo.
Digo “esboço” porque acho indecente chamar às expectativas que tínhamos em mente, o projecto da viagem que nos esperou.
Esta extravagância, porque a jornada superou muito as nossas expectações.
Tornou o sonho num esboço para a realidade utópica que tivemos oportunidade de viver.
Passo a passo, com muita conversa e cantares pelo trilho, fomos subindo e tentando aproveitar tudo o que a vida, de vivo, nos estava a oferecer.
Adoraria descrever-vos cada gota dos riachos que fomos encontrando pelo caminho.
Adoraria que os textos tivessem aroma, que as letras se movessem e desenhassem cada particularidade a que fui tomando atenção.
Adoraria também, que as virgulas e os sinais de pontuação se tornassem notas de uma melodia e que tocassem harmoniosamente para quem ler esta recordação.
Como se de um maravilha privada se tratasse.
No fundo, foi um pouco isso que aconteceu com todos nós. Ninguém viveu a mesma viagem que eu.
Cada um levantou a sua tela, escolheu as tintas e os instrumentos, montou um palco com o cenário que bem entendeu e deixou que isso tomasse o comando da sua vida por 48 horas.
Cada um tem a sua forma de caminhar, o seu ritmo.
Ora, agora tentem acompanhar o meu…
Em cada 10 metros via uma queda de água nas montanhas. Ali, é o paraíso dos pássaros e de qualquer outro ser que viva em liberdade.
Cada centímetro era pensado, desenhado, apagado e pintado de novo para ficar perfeito.
Muita vegetação, erva no solo, cascatas, e neve ao fundo – servindo sempre de meta e corpo de comparação – recheavam a paisagem dos que pé ante pé, com mais ou menos dores, agiam para o mesmo.
Nesta viagem vinham-me muitas músicas à cabeça, daquelas que começam devagar e vão cada vez encaixando mais instrumentos: as folhas amarelas, laranjas, a madeira castanha, branco, o lilás das flores, amarelo…os caminhos construíam-se por onde não havia caminho.
Ali, nenhum lugar parecia perto. Ali, a beleza nunca nos alvorava.
Era tempo de me refugiar com a minha própria energia. Sentia-me em casa.
Por engano, vimo-nos obrigados a trespassar um rio para a outra margem, o que, na altura não representou (pelo menos para mim) grande problema.
Todos estavam a aceitar e encarar o que nos ia aparecendo com naturalidade.
Então, quatro de nós voluntariaram-se para segurar em varas e ajudar o resto do grupo a passar.
O grupo, devagarinho, foi pondo os pés nas pedras, agarrando-se uns aos outros e lá conseguiram. Primeiro as mochilas, depois o resto.
Todos eles estavam completamente apagados do resto do mundo naquele momento, conseguia notar isso nos risos, nas expressões.
Todos, incluindo eu, estávamos a viver apenas aquele momento.
Apesar de parecer egoísta, acho que ninguém se lembrou da família, dos problemas na cidade natal, dos compromissos, nem sequer tinha pensado bem nas pessoas com que estava, se eram os melhores amigos, se não eram… nada importava a não ser o “agora”.
No meio do nada, sabíamos para onde ir. E, no meio do nada, a vegetação começava a desaparecer enquanto a rocha tomava domínio do nosso caminho.
Engraçadas as relações que fui sentido com alguns animais (dos mais pequenos aos maiores) que se cruzavam comigo no caminho.
Eles pareciam saber exactamente para onde iam, pareciam conhecer todo aquele mundo de trás para a frente e de frente para trás, pareciam não me estranhar como visitante.
E as coisas iam acontecendo no resto do cosmos, enquanto nos estávamos ali, no meio da ninharia, no centro de tudo. Era tempo de rever.
No caminho pelas rochas, já se ouviam alguns respirares mais esbaforidos, já se notava uma certa ansiedade em chegar.
Eram estranhas, para mim, as diferenças no estado de humor das pessoas: tanto estavam ansiosas por chegar, tanto estavam tristes por estarmos cada vez mais perto e não queriam sair da viagem, tanto queriam correr, tanto queriam parar, tanto falavam como estavam caladas.
Era notório o espírito de equipa, a amizade (ou necessidade, como entenderem…)!
Ninguém julgava ninguém por estar mais para trás.
E, apesar de o grupo se ter afastado um bocadinho entre vários ‘subgrupos’, continuavam todos ligados, continuava a existir uma preocupação mútua.
Por vontade própria, decidi ficar mais para o fim.
Primeiro, porque não me sentia cansada e o facto de ir à frente ia dar-me vontade de andar ao meu ritmo, dessa forma perdia um bocadinho o contacto com as pessoas.
Segundo, porque adorava parar quando queria (e voltar para trás, muitas vezes), só para ver mais uma vez aquela paisagem, para ter o prazer de tocar com calma, para ter tempo de sentir.
O grupo que estava comigo foi apanhado por um nevoeiro muito intenso e rapidamente adoptamos uma técnica muito eficaz.
Passo a tentar explicar: cada um gritava o seu nome se não via ninguém, e então, ninguém se mexia (porque o da frente era sempre o guia do de trás).
Quando já conseguia ver, comunicava, e todos avançavam mais um pouco.
Em último, estava uma amiga aleijada de um pé e essa era a nossa maior preocupação, não era o facto de demorarmos mais ou menos tempo, de perdermos o ‘batalhão’.
Finalmente… o glaciar!
Encontrámos muito pouco gelo na geleira (muito pouco, para um glaciar, está claro).
E ai, acho que todos, no seu interior, pensaram nos papéis que deitaram no chão, na poluição dos seus carros, das queimadas, das fábricas…
Como depois de tanta subsistência, estávamos perante um local tão apagado.
Eu lembrei-me dos ursos que vêm as suas casas cada vez mais pequenas, e matutei como seria se cada vez que o homem fosse trabalhar, chegasse a casa e esta estivesse um pouco mais pequena… chegando ao dia em que não conseguiria caber pela porta e morreria à fome na rua.
Notavam-se os rasgos nas paredes antes geladas, notava-se a existência de algo passado mas não conseguia produzir a imagem de como era.
Todos os senhores que se sentam confortáveis nas suas cadeiras almofadadas, e imaginam projectos gigantescos, sem pensar nas consequências, deveriam ir ali, pelo menos uma vez na vida.
Alias, toda a gente devia ter a possibilidade de passar o que passei durante toda a andança daqueles dois dias.
Olhava para os efeitos naquele curto espaço e calculava, como será o resultado de toda esta despreocupação, no seu todo.
Adorei sentir o molhado da neve nas minhas mãos.
No fim de uma parte do glaciar, ao invés de olhar para a frente e ver o meu caminho, tinha de começar a pesquisar para cima se o queria antever.
Começava a tornar-se quase como uma escalada e não uma caminhada. Agora, cada passo era ainda mais pensado.
Já estávamos à altura de muitas nuvens, já as víamos mesmo à nossa frente, já estávamos mais perto, com certeza!
As imagens falavam por si, todos sabíamos que todos estavam a honrar o mesmo.
Muitos ‘reis do mundo’ nunca sentiram o que nós sentimos, nunca viram o que nós vimos. O dinheiro não traz felicidade. Pode ajudar, claro. Seria impossível estarmos ali sem ele.
Mas quando falo de ‘dinheiro’, neste caso, estou a referir-me a todo aquele conforto cobiçado por muitos. Todo aquele luxo fictício do homem moderno .
Muitos trabalham e suam para um dia poderem estar sentados na cadeira mais confortável e terem um grupo de submissos a servirem-nos, para não terem de se mexer.
Para muitos, para a grande maioria, o luxo está no conforto.
Para mim, vale muito mais a pena estar ali, longe do acessível, do conforto, do luxo, dos computadores e do facilitismo.
Se ainda não viveram nada assim, não compreenderam, de certo, a felicidade que pode dar a alguém estar no meio do nada, sem praticamente nada, para chegar a um nada um pouco mais longe.
Um nada, como quem diz… nada para quem não está. Tudo para os que estão. É casual.
Mais tarde, e do nada, já se vê um abrigo.
Chegámos, por hoje.
Entrámos e reparei nas outras, poucas, pessoas que lá estavam. Fiquei contente por as ver. Alguém que também procurou o mesmo que eu.
Estavam ali para se recolherem do resto. Não quis incomodar.
Os sapatos ficavam no andar de baixo e os quartos colectivos eram no andar de cima. Da janela, notava-se bem que estávamos acima do nível das nuvens.
Quente. Calor. Era a primeira vez que sentir calor desde que sai do campo e comecei a subir.
Era impressionante como a única coisa de que precisávamos no momento, era uns dos outros. Não havia melhor jogo, melhor livro, melhor televisão, do que nós mesmos.
E à noite, quando me sentei na mesa para o jantar é que me lembrei dos que estariam, possivelmente, em casa.
Eu estava ali, não sei bem descrever onde, e a minha família, alguns dos meus amigos, continuavam a fazer as suas vidas normais.
Será que também se lembrariam de mim à hora do jantar? Será que também estavam a tentar imaginar como estaria a ser daquele lado?
Não sentia saudades, estava com demasiada fome para isso.
Mas gosto deles, reverencio-os. Noto-o quando me lembro.
Queria saber, naquele preciso momento, se estava tudo bem para os lados de lá, mas era impossível. Convencia-me de que sim. Também é bom lá estar, é certo.
7h00 da manhã. Acordávamos nós, no abrigo, e preparávamo-nos para começar a tomar o pequeno-almoço.
Em Portugal, quando temos a convicção de que algo é impossível, costumamos dizer “É tão provável como nevar em Agosto” (ou, pelo menos, parecido).
Pois, era pleno Agosto, e estava a nevar. Estávamos a comer na rua, porque não era permitido cozinhar dentro do abrigo.
Quando pousava a caneca de chá quente na mesa, esta congelava por completo.
Atirávamos bolinhas de gelo que fazíamos com a neve que caía.
Não podia deixar de achar piada ao panorama que estava a coabitar.
A casa de banho ao lado do abrigo, pequenina e construída em pedra, era no mínimo, bastante caricata.
Depois de acabarmos de comer, verificámos o material e preparámo-nos para começar a descida.
Apesar de ser mais rápido descer, para mim, era também um pouco mais perigoso. Escorregava-mos mais, tínhamos de ter mais cuidado. E ainda foram muitos os sustos que apanhamos com ‘fauna local’ que decidia atravessar-se à nossa afrente, sem meter os piscas ou buzinar.
O caminho era quase o mesmo, mas ao adverso.
Se antes partíamos da vegetação para a rocha, ora agora partíamos da rocha de novo à vegetação.
As dores de ontem, tinham desaparecido. Afinal, para baixo todos os anjos ajudam!
Descíamos mais repletos.
Os que subiram não eram as mesmas pessoas que desciam. Ou melhor, eram os mesmos, mas aperfeiçoados.
Uma hora depois de deixarmos a aventura para trás, chegávamos à vila Ferden onde almoçamos e apanhamos o autocarro até Goppenstein.
Na viagem de autocarro cheguei a comentar, com quem se encontrava ao meu lado direito, que achava, de certa forma, estranho que os habitantes encarassem tudo aquilo com uma enorme naturalidade.
Estranhava a forma como banalizavam as quedas de água que voltaram a aparecer, as grutas, as casinhas em madeira com frases escritas por cima da porta, as montanhas, a neve…
Mas compreendia. Também nós não damos o devido valor ao lugar onde vivemos.
Em Goppenstein, fomos de comboio até à vila de Kandersteg e depois a pé até ao acampamento.
Não se pode pedir melhor noite do que as passadas no bivaque.
Nunca tinha visto, nem nunca mais vi, um céu tão carregado de estrelas.
Mas lá, era assim todas as noites. Parada dez minutos a olhar para o céu, conseguia ver pelo menos umas quatro estrelas cadentes.
Acho que o céu era tão enfeitado que, por vezes, parecia que chegava para me iluminar.
Deitava-me no chão, com as mãos a segurar a cabeça e ficava a olhar para aquele deslumbramento.
Não conseguia, e ainda não consigo, fazer uma retrospectiva digna da aventura.
Quando mais damos, por regra, mais recebemos. E eu dei muito de mim, é um facto.
Mas ainda hoje, devo muito mais a Lotschenpass do que Lotschenpass a mim.
Devo-lhe um bocadinho do que serei para o resto da minha vida.
Devo-lhe a experiencia, a aprendizagem. Devo-lhe a oportunidade.
Devo-lhe incumbência.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

'Saat' no Alvor.

Se fosse a comparar este conhecer territorial com o conhecer pessoal, notaria que, desta vez, o ritual iria soar um pouco contraditório.
No procedimento normal, seria eu a procurar conhecer a terra, as gentes, as cores.
No procedimento costumeiro, seria a Carolina a procurar os lugares, a tentar escutar as músicas da calçada e a deixar que os cheiros desempenhassem o lugar do sal que tem encrostado no corpo.
Desta vez, bastou parar por um bocadinho, olhar em volta, e as músicas entraram-lhe pelos ouvidos sem bater à porta, os aromas colaram-se e envolveram-se como lapas nos corais, como wax nas pranchas.
Em cima, um céu resplandecente, quente e carregado de nuvens, todas elas bem ordenadas.
Se fosse uma criança, acreditava que tinham combinado e preparado aquele espectáculo para mim.
Do meu lado esquerdo, um senhor de idade já respeitada – mas não velha –, a tocar acordeão, sentado numa pequena cadeira verde.
A musica, mesmo não sabendo avaliar, estava a soar-me bem e a fazer-me sentir aquela satisfação (talvez ilusória) que sobe dos pés ao coração quando me encontro num novo lugar, quando tenho a certeza de que, naquele preciso segundo, estou exactamente onde deveria estar. Nem mais um passo.
Na direita, um pescador a limpar e apreciar a sua última medalha.
Pegava com todo o cuidado, com toda a calma, cada peixe. Tirava os anzóis um a um.
Na verdade, ele tinha todo o tempo do mundo, todo o seu tempo para si mesmo.
Hoje em dia, muitas vezes não temos o nosso tempo.
É-nos roubado por toda a evolução ‘anti-natura’ da sociedade que pisou a lua.
Ao lado, um cão, com pêlo negro aos caracóis, deitado.
Do qual mais tarde vim a apurar o nome, Choco Preto.
As casas eram decoradas com pássaros azuis, fazendo contraste com as linhas vermelhas no rebordo das portas e janelas.
Existem várias formas de se viver o mar, existem várias espécies de aventureiros das ondas: os surfistas, os marinheiros, os pescadores…
E, apesar de cada um o amar à sua maneira, existe um ponto a que eu gosto de chamar “saat” (‘momento’ em Indonésio), em que todos sentem o mar da mesma forma, ou pelo menos, partilham a mesma essência.
Ali, ainda parada no meio daquele panorama, enquanto a vida dos ‘locals’ continuava de forma trivial, estava a sentir – não na totalidade, mas pelo menos em parte – o surf.
Estava presente.
A calma do pescador a escolher o melhor dos seus troféus, a musica do acordeão, os pássaros, o quente… estava ali, a serenidade da espera pela onda perfeita, a melodia das ondas e da rebentação, as gaivotas que são muitas vezes a nossa companhia (no lugar do Choco Preto), o calor de Verão, o frio no Inverno, o sal… e o céu, que muda de feição em cada surfada.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

S.O.S, Salvem Os Sorrisos.

Há dias em que o surf nos transporta para emoções fora do alcance de si mesmo.
Há dias em que aprendemos mais do que queríamos, ou esperávamos aprender.
Há dias em que nos levantamos sem um motivo perceptível para o fazermos.
Há dias em que nos falha a bafagem.
Precisava de um pretexto para escrever. Não me apetecia usar os que tinha.
Peniche. O relógio marcava as 8:24 da manhã da última vez que olhei para ele antes de me sentar na areia a contemplar o mar.
Não sei se é só comigo ou se este fenómeno acontece com mais membros da comunidade surfista, mas preciso sempre de pelo menos uns 5 minutinhos a prezar o Deus Mar, a areia e, se existirem, as pessoas que me rodeiam.
Desta vez demorei mais tempo. Reparei, desde que meti o pé na areia, num senhor negro sentado em cima de um tronco.
Também eu sentada, encostei-me para trás e fechei por um instante os olhos de modo a ouvir melhor o toque das ondas e sentir com mais pujança o vento que teimava por marcar a sua figura.
Não demorou muito até notar que alguém se tinha arrumado ao meu lado.
Sem quase dar tempo para eu abrir os olhos comecei a ouvir uma voz robusta:
- Eu tive um amigo. Ter um amigo é raro! Chamava-se Elias.
Nasci em África e foi lá que cresci. Eu e o Elias estávamos sempre juntos e costumávamos correr à beira dos rios, pescar e construir abrigos onde passávamos noites a admirar os sons e o vento, tal como estavas a fazer agora – murmurava o mesmo senhor negro que olhara para mim quando cheguei –.
Um dia soube-se que tinha febre hemorrágica ebola, uma doença infecciosa grave, muito rara, frequentemente fatal, causada pelo vírus ebola.
E ao contrário do que se mostra nos filmes, é apenas moderadamente contagiosa. No entanto, como no lugar onde habitava os recursos não eram muitos, ele teria de ser isolado.
Eu sabia que muito provavelmente nunca mais o iria ver e no dia da despedida supliquei à minha mãe para o ir ver uma última vez. Ela bateu-me e vozeou comigo.
Mas eu fui na mesma e regressei a casa alagado em lágrimas.
Então, a minha mãe perguntou-me “Era para isto que querias ir? Valeu a pena?”.
E sabes, valeu mesmo a pena! Quando cheguei e vi-o entrar, sabendo que nunca mais o iria ver… ele olhou-me, sorriu e disse “Eu sabia que vinhas”.
Valeu por tudo. Valeu por todos os obrigados, por todas as lágrimas me estavam a cair, por todos os abraços. Valeu, de certeza, o teu surf.
Também eu lhe sorri e continuo a sorrir. Um sorriso pode ser uma vida.
Eu fiquei calada, ele ficou calado. Afinal não se trata apenas de liberdade, é também um pouco de lisura.
Não sei se a historia era verdadeira ou não, mas pouco me atinge.
Ganhei o dia, já tinha sobre o que escrever!
Agradeci-lhe.
Agarrei na prancha, sorri, e fui surfar.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Just do it...! - II

Finalmente… a retrospectiva!
Esquiva é a única situação em que consegui fazer a análise final.
Triste. Desgostosa por ter de a fazer.
É sinal de que acabou.
Alguém quando chega de uma viagem sozinho, vem tão abastado de emoções que lhe faltam as palavras, falta-lhe a pujança nos dedos para escrever e a imaginação para despejar sobre o que foi, sobre o já feito.
Talvez o facto de não querer minimizar tão grandes e envolventes situações seja razão para tal falta de coragem.
Talvez porque sinta que o ‘tão bom’ que me circula no espírito, quando pego na caneta e no sagrado caderno, me chispa entre os dedos. Em todos os momentos que fiz e faço.
Agora, com um dever para com alguma coisa ou alguém, atrevo-me a fazer tamanha impossibilidade.
E a linha vai torta…
Juro que estou a fazer algo parecido a rezar para que consiga agradecer tudo o que quero agradecer sem menosprezar uma única gota de água, uma única brisa, um único toque.
Só ontem. Dois dias depois de ter chegado.
Fui para a água, mesmo não havendo boas ondas, estava um por do sol de invejar, um cheiro de maresia que me entrava nos pulmões e por breves momentos parecia teimar em envolver-me, curando um pouco de alguma coisa em mim.
Silêncio. No vasto e proporcionado silêncio que o Oceano oferece.
Calada. Também não tinha nada para dizer, ou mesmo que tivesse, ninguém me ouviria.
Contudo, naquela hora já velha da tarde, eu sabia que estava no sítio certo.
Já sabia o que queria escrever e o que nem com as palavras mais pintadas do mundo faria o mínimo de sentido.
A vida é realmente pequena quando há tanto para se conhecer.
Sou (somos) uma ínfima parte do mundo. Bastante minúscula por sinal.
Quando se vai sozinho e com o espírito aberto ao diferente, aprende-se muito mais.
Quando se vai sozinho, sente-se mais.
Quando se vai sozinho, é mais em maior quantidade.
Todas as árvores, as pedras da calçada, as pessoas, as ondas, os sons, as conversas destes 5 dias… vão ficar gravados por muito tempo na minha vida até que o tempo não perdoe e a velhice seja mais forte do que eu!

terça-feira, 20 de julho de 2010

Just do it...!

Mochila. Prancha. Maquina fotográfica. Caderno.
Uma colher de receio e quatro copos de loucura.
São os ingredientes de que preciso para uma reciclagem ao espírito.
Sim, não se trata de uma lustração, mas pode lá chegar.
Tenho 5 dias. 5 dias para curar da fadiga psicológica, da agitação rotineira, do ruído já acostumado, das pessoas repetidas.
Eu sei. Sei que não vou longe, sei que não me vou apagar tanto quanto quero. Não vou ter saudades.
Medo do quê? Só se for de mim mesma. Preciso de mim. Não me esqueço dos que também carecem.
Não vou sozinha. Apenas não tenho a companhia das pessoas que já conheço, não tenho tema de conversa com o vizinho do lado, não conheço os lugares, os cheiros, as vozes.
- Experimenta! Agarra na tua mochila, na tua prancha e mete-te num comboio para o mais remoto que te for possível de momento. Não quero que te tornes igual, Carolina.
Não quero vás para onde toda a gente vai ou faças o que toda a gente faz.
Falou-me ele.
Para onde vais? – Não sei.
Porque tenho de ter tal sapiência? Não sei com quem vou estar.
Alias, porque é que interrogo sempre “porquê” e não me limito apenas a responder?
Não é preciso algo estar mal para alguém se ir embora (mais não seja 5 dias).
Não é preciso estar-se cheio para se fugir.
Não é preciso não gostar para não se ter saudades.
És livre, pássaro pacóvio!
Trata-se apenas disso: liberdade.
Liberdade e umas pingas de sangue frio (bem me parecia que me falhava alguma coisa).
Não é preciso ser-se louco para se cometer loucuras.
Os loucos só existem porque existe um descomunal grupo de pessoas que decidiram ser iguais, ou que foram débeis para se conseguirem manter únicas.
Os loucos apenas são o que sempre foram.
Por favor, peço-te, vai! Conhece e conhece-te. Respira uma vez na vida. Toca.
Por favor, sente e faz-te sentir.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Inoportuna definição: s-u-r-f.

Papel. Caneta. Areia.
- Preciso de ar. Preciso do mar.
grita o meu consciente desnutrido. Sempre pensei que o surf fosse um desporto sem mais nem ais. Um desporto individual. Um "desporto" de muitas aspas, assim como tudo na sua definição "não oficial". Que mania esta que o homem tem de querer tudo 'preto no branco', de querer rótulos em tudo. Que necessidade esta de saber tudo, até ao mais minúsculo e insignificante esporo!
Sabe. Pronto, já sabe. Nada mais há para alem disto. Nada mais há para descobrir. Já sabe. É um herói, sem duvida!
- NÃO.
e os que gritam Não? Essa minoria que julga estar sozinha. Essa minoria que nada sabe.
Nada sabe... julgam eles! Julgadores de si mesmos, do pobre e do rico, de tudo e de nada.
"Nada sabe"... dizem eles! Os mesmos que dizem que sim e que não, o que está certo e errado, que dizem bem e mal. Que dizem... sabem lá eles o quê! Apenas dizem... falam na esperança de encontrar mais um rotulo, uma definição...
Utilizando um adjectivo que 'os mais' deram 'aos menos': Viva esses burros!
E que vivam eles! Quem me dera encontrar mais um ou outro por ai.
Definição de surf segundo os pertinentes: desporto náutico que consiste em acompanhar o rebentar das ondas mantendo-se em equilíbrio sobre uma prancha.
Quem ouvir isto vai pensar que, no máximo, o surf até deve ter o seu ar de graça.
Pensará, de certo, que o surf apenas consegue oferecer o que é.
Estão enganados! - gritam os inconvenientes, os tais burros.
Coitados! - pensam 'os mais'.
O surf é muito mais do que um desporto náutico e oferece muito mais do que aquilo que é.
O quê? Oh meus caros! É aqui que entram todas as aspas e reticências.
O que o surf oferece, varia de pessoa para pessoa, seja surfista ou não.
O que o surf é, está tão fora do alcance de todos crânios do planeta, de todas as definições e rótulos... nem sequer conseguirão dizer, com uma pequena margem de erro, "o surf é parecido com...". Não é. Nem será.
Inteligências, sentem-se frustrados porque não conseguem ter na mão, não conseguem explicar uma palavra que não tem mais de quatro letrinhas?
Ora bem, é ai que os burros ficam a ganhar! Os que, no fundo, sabem mais. Aproveitam!
Felizes por não saberem o significado dessa palavra e poderem sonhar com ela todos os dias sem os tais 'mais e ais'. Sem sequer saberem com o que sonham.
Palmas para eles!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Mantem-te original! - Sumol

"Mantêm-te fiel aos teus valores e ri-te desprezadamente dos 'pobres de espírito' que por estupidez e ignorância não 'vêem' para lá do seu umbigo." - Luis Salgueiro

terça-feira, 15 de junho de 2010

Podia ter agradecido esta hora.

Há dias e dias… horas e horas.
Todos os dias economizo uma hora para estar comigo mesma, todos os dias penso e faço uma reflexão sobre as minhas surfadas, sobre algumas sensações que tive durante as mesmas, sobre conversas que foram consumadas pelo caminho…
Sem exagero, neste instante, diria que é a hora em que me sinto mais realizada que em qualquer outra hora, outro tempo, outro instante.
Não é quando ficam felizes por me ver, não é quando ultrapasso um recorde pessoal, não é quando alguém deixa sair um elogio inocente por entre os lábios que no momento me dá uma ideia parola de “sinto-me realizada”. Na verdade, tudo isso é mentira.
É naquela hora já cansada do dia, quando tudo está parado (ou o mais parado possível), quando prefiro o silêncio ou apenas ouvir um pouco da minha música, quando me sento como se não houvesse mais nada para fazer, quando estou sozinha, realmente sozinha comigo.
Lembro, relembro e volto a lembrar algumas faces essênciais, rostos amigos, caras. São poucos. Simples.
Consigo ver todos os traços que os constituem e ouço as vozes citando frases banais, frases rotineiras, frases que fazem parte de mim.
Consigo associar esses rostos às minhas decisões dentro de água, decisões essas que definem a minha maneira de surfar, maneira essa que decide as ondas que apanho, ondas que por sua vez, são únicas. Não se repetem. Assim como tudo na vida.
Por isso, acho que nem sempre dou o devido valor a essas personalidades tão banais e repetidas do meu dia.
No fundo, são eles que me definem, que definem o meu surf… quando eu estou dentro de água, ou seja, quando me encontro no molde mais puro de mim, sou um pouco desse universo, dessas frases, desses abraços, desses sorrisos, dessas facetas… que grande responsabilidade que vocês (sabem bem quem são), carregam todos os dias.
É em vocês que está tudo: o recorde pessoal, as ondas conseguidas, os aplausos, as minhas vitórias…
O mérito só existe porque o que fiz, o que surfei, o que faço… é obra dos protagonistas desses rostos. Não o faria sozinha. Ninguém faz.
Não é em mim, não é nela nem nele que eu vou procurar a força que tenho quando corro em direcção ao mar, quando remo, quando me levanto… é em vocês, seus rostos vadios, rostos banais, vultos essenciais.
Por isso, se um dia se sentirem cansados… desculpem. Fui eu que vos roubei outra vez.
Peço desculpa pela vida que levo, mas eu amo esta arte de estar, por uma razão: paixão.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Uma questão de números.

A Natureza devolve ao homem, com maior intensidade, tudo o que mesmo lhe faz ou por ela faz.

13h24, estação rodoviária.

Enquanto esperava pelo autocarro para Santa Cruz onde iria decorrer a surfada do dia, um homem robusto e de ar adoentado que estava a vender tapetes para ganhar o pão do seu dia veio ao meu encontro e dirigiu-me a palavra. No inicio virei a cara e pensei que estivesse bêbado (essa má tendência de julgar pela capa quem não se conhece foi mais forte).
Na verdade, estava bem mais consciente, bem mais ciente e lúcido que eu. Tinha a voz rouca. Devia ter os seus quarenta e poucos anos apesar do seu ar decrépito e desmazelado.
Com o desenrolar da conversa, tornou-se impossível não prestar atenção ao que o pobre dizia.
Do que me lembro, perguntou-me se tinha reparado na rapariga do outro lado da estação. Respondi que não. O sujeito começou a citar números e números sozinho, a fazer contas para o ar.
Até que me dirigiu outra vez a palavra e disse: “Em números demasiado bem-parecidos, em média, em todo o mundo deitam-se para o chão 1000 pastilhas por dia. Agora, multiplica essas pastilhas por 8 dias e já lá vão 8000 pastilhas. Se for durante um único mês: 30000 pastilhas. E isto durante um ano inteiro será 360000 pastilhas.
Como é óbvio foram números muito módicos comparando à escala real. Visto que uma pastilha demora 5 anos a decompor-se, daqui a uns tempos não damos um passo sem encontrar uma. Pessoalmente, não acho que não seja muito complicado de colocar no lixo.
Ou de facto é, menina?”.
Não lhe cheguei a responder, entrei para o meu autocarro.
Durante a fatigante viagem, já que a sociedade actual gosta tanto de números, tentei somar às pastilhas, todas as fábricas, motas, carros, fogueiras e outras realidades que fazem o seu estrago todos os dias…
Para agravar, ainda acontecem acidentes como a rotura do oleoduto da BP que vazou na costa da Louisiana e destroi a vida marinha no Golfo do México à mais de 46 dias.
O poço acidentado contava com cerca de mil barris de petróleo por dia, de um total de 19 mil.





. Deste modo, um dia surfar será assim.





quarta-feira, 9 de junho de 2010

Entrevista com Ana Rita Oliveira.

Ana Rita Oliveira é finalista de antropologia no ISCSP - Lisboa e vai fazer o seu projecto de final de curso no ambito dos estilos de vida e surf.

1. Identidades
-
Como é que se define? Como responderia à questão: “Quem sou eu?”
Bem, agora começam as perguntas difíceis. Preferia que fosse um amigo meu a definir-me do que eu a mim mesma, isso é complicado. Eu sou bastante activa, não gosto de estar parada. E dou o meu melhor nas coisas que gosto, como o surf. Sou muito amigos dos meus amigos e por vezes (muitas vezes) meto-os à frente de mim.
Resumidamente, sou a Carol. E o resto, não é com uma hora de conversa que se descobre.
É preciso muitos anos de convivência ou então uma extrema confiança da minha parte para me alguém possa dizer que me conhece bem. A maior parte das pessoas só vêm uma rapariga muito extrovertida e divertida.

- O que significa para si o surf?
E cada vez as perguntas são mais difíceis… o surf? O surf para mim significa tudo. E agora posso estar a mostrar um pouco de egoísmo ou falta de consideração para com os meus amigos (por exemplo). Mas a verdade é que tudo o que faço se baseia um bocadinho no surf, o que digo, o que penso… não seria a mesma se não existisse surf. Só o facto do surf existir, mesmo quando não o praticava, tinha influência em mim.
Mas o surf para diferentes pessoas significa diferentes coisas. Para muitos pode ser só uma forma de “descarregar”, para outros pode ser só algo que usam para subirem na sociedade (toscos, porque isso é uma ilusão.), para mim… é uma forma de estar.
Se passava a vida toda dentro de agua? Oh, e se passava! É claro. Uma coisa que faz confusão a algumas pessoas, é o facto de quando tudo está mau, nas fases de maiores problemas, eu só pensar em ir surfar. Pois, arrisco-me a dizer: tirem-me tudo, mas deixem-me ir surfar que eu depois resolvo. Desde que tenha aquele momento para mim, as coisas ganham um aspecto melhor. O preto não fica tão preto e o mau passa a menos bom.

- O que é ser surfista?
Ser surfista é fazer surf. Desde os que estão aprender nas espumas e tentam mil vezes aos que fazem aéreos 360 ou surfam ondas de seis metros… surfista é todo aquele que se atreve a surfar, que vai surfar, mas, por gosto e não para se gabar. Aos que entram dentro de agua com pranchas e fogem das ondas damos frequentemente a alcunha de “morangos”. Surfista é o que faz surf (ou tenta) todas as estações do ano e não o que espera pelo Verão para agarrar na prancha e passear.

- Considera-se surfista? Porquê?
Considero. Porque tal como disse anteriormente: surfista é todo o que vai surfar por gosto, independentemente do nível de surf. E podes crer que tenho todo o gosto em ir surfar.

- O surf tem alguma influência no seu dia-a-dia e na sua forma de pensar/agir? Como?
Tem, tem muita influência. Penso que todos os surfistas têm uma filosofia comum: temos de saber surfar bem as ondas pequenas para depois aguentarmos as ondas grandes. E isso, pode aplicar-se na vida, no dia a dia de cada um. Para alem de que, ao contrario do que muitas pessoas pensam, no surf há muita entreajuda. Cada vez mais as pessoas têm uma maior noção de que é preciso ter cuidado na água para que corra tudo bem. Essa forma de estar no mar, reflecte-se na minha vida. Claro, salvo algumas excepções, porque aparece sempre um ou outro abronho que decide desrespeitar as ditas “leis universais do surf”.
Cada um adapta o surf a si. Mas a imagem geral de amante da natureza, protector dos oceanos, calmo, paciente, aplica-se à maioria dos surfistas como eu.

- Porquê o surf (o que o distingue das outras práticas desportivas)? Como é que tudo começou?
Porquê o surf? Esta pergunta seria mais fácil de responder a alguém que faça surf. A única resposta que vejo é: porque sim, é claro!
Não conheço ninguém que tenha começado a fazer surf e tenha deixado. O bichinho fica sempre lá. O surf porque me liberta. O surf porque me faz sentir viva. O surf porque amo o mar. O surf porque é o surf, e nenhum outro desporto consegue substituir isso, ou igualar alguma das sensações que tenho a surfar. O surf porque vive em mim, e me deixa viver.

2. Percepções
- Qual a imagem que pensa que as pessoas têm do surfista? Porquê?
Penso que existem diferentes imagens sobre o surfista. Há quem pense que são pessoas muito sozinhas e fechadas, com círculos de amigos pequenos e restritos. Há quem pense totalmente o contrário, ou seja, que o surfista é uma pessoa muito popular. Outros, poderão pensar que o surfista é alguém convencido que se acha superior e tal como anteriormente, há os apoiantes da opinião totalmente inversa: de que o surfista é modesto e acessível. Isto, porque há vários tipos de surfista. Nem numa religião “a sério” as pessoas são todas iguais, como é que no surf poderiam ser? Não quero com isto dizer que o surf é uma religião. O que nos une não é a maneira de ser, não é um único estilo de roupa ou musica, é apenas um gosto que todos partilhamos e usufruímos, cada um à sua maneira. Até porque fora da maneira de surfar moldada que é ensinada nas escolas, cada um depois tem o seu estilo dentro de agua.

- E os seus vizinhos, amigos e conhecidos, que imagem pensa que têm de si e do surf?
Bom, não tenho uma relação muito próxima com os meus vizinhos. Apenas um “olá, boa tarde!”. Ahah Os conhecidos não me importa muito o que pensam, por isso nunca me dei ao trabalho de perguntar ou tentar entender o que pensam sobre mim e sobre o surf. Os amigos é diferente: há os que se entusiasmam muito pelo facto de o fazer e há os que têm mesmo de mandar esta ou aquela piada sobre o assunto.
Tenho aqueles amigos que me estão sempre a perguntar como é que foi no sábado, ou como é que estava o mar no domingo… e há os que dizem (como o Santos) “então, surfaste lá nas waves?”, mas no fundo, todos se resumem ao mesmo: estão interessados em saber como correu, mais a brincar ou mais a sério, lá vão perguntando, pedindo fotos, e auto-convidando-se para virem comigo à praia. Acho que lhes dá sempre aquela curiosidade em saber como é que sou dentro de agua com um fato isotérmico vestido. Mas mal eles sabem que sou totalmente igual… (secalhar, um bocadinho mais ansiosa do que o costume.)

- Que imagem tem dos miúdos que gostam de vestir como surfistas mas que, na verdade, não são surfistas?
O surfista não tem um traje próprio. Há surfistas de fato e gravata. Mas os que se vestem com roupas da Rip Curl só porque gostam e até dão uma imagem de serem surfistas, não tenho nada a dizer, estão apenas a vestir-se como gostam. Agora, os que se vestem de propósito para parecer que fazem e no fundo, quando se fala de surf não sabem o que dizer, faz-me confusão, Hey, miúdos, é favor experimentarem! Acreditem que vos vai fazer sentir muito melhor o ser que o parecer.

- Como se sente em relação à imagem estereotipada do surfista – jovem que não faz mais nada na vida a não ser apanhar ondas e sol?
Sinto-me fora. Alias, sentem-se todos. É totalmente um mito, ou pelo menos, em parte. É verdade que passamos o dia todo a pensar em quando é que vamos para o mar outra vez e a pensar no surf, mas isso não quer dizer que não façamos mais nada para alem disso.
É verdade que todos os feriados, fins de semana e tempos livres tentamos ocupar a surfar, mas há tempo para tudo, ou quase tudo! Não fazemos só isso. Se assim fosse, deixávamos de ser humanos. Temos relação interpessoais, temos amigos e família como toda a gente.

3. Estilo de vida
- Considera o surf um modo de vida/uma forma de estar? Em que sentido?
Penso que já respondi a esta questão, mas questiono-me se fui eu com todo este meu paleio ou se foste tu que repetiste.


- Tem cuidados com a sua alimentação? (no caso de responder que sim) Sempre teve ou deriva da prática do surf?
Sim, tenho, alguns. Eu sempre tive, não derivou do surf, mas sim do facto de fazer desporto.

- Como é que concilia o surf com o trabalho/escola? E com os amigos? E com a família?
Com a escola, por vezes (como a ansiedade para ir para a agua é muita) torna-se difícil, porque gasto os fins de semana que supostamente eram de estudo a surfar e quando chego a casa, já estou cansada. Por isso, estudo muitas vezes de manhã. O surf até serve um pouco como motivação para ter resultados, pelos menos, razoáveis. Penso que se não os tiver, não há surf. E isso eu não quero. Com os amigos é fácil, basta ter os amigos certos e eu tenho-os.

4. Sociabilidade
- Quem são os seus amigos?
Bem, quando penso em amigos saltam-me Martas, Diogos, Anas Palma, Sás e outros nomes à baila. Mesmo que este “outros nomes” dê ideia de que são muitos, não são. Apesar de ser muito sociável e ter muitos conhecidos, amigos tenho poucos. Faço questão de os tratar bem e escolher a dedo. Questiono-me se sou eu que os escolho ou eles que, de certa forma, me escolhem a mim e me dão provas de que posso confiar neles. Eu não confio em muitas pessoas. Confiar não é rir e estar muito “à vontade”, para eu confiar é preciso mais.
Mas garanto-te que tenho os melhores amigos que alguém pode ter. Faço tudo por eles e eles retribuem todos os dias.

- Com que tipo de pessoas se relaciona? Porquê?
Dou-me com todo o tipo de pessoas e acho isso óptimo. Eu sou daquelas pessoas que pertence a todos os grupos e a nenhum ao mesmo tempo. Eu não escolho partidos.
Não sou de não me dar com alguém só porque dizem que essa pessoa fez isto ou aquilo, eu gosto de dar a toda a gente a mesma oportunidade de mostrar o que vale, de mostrar quem é. E quem sabe, porque não uma segunda oportunidade? E terceira, se assim eu achar que merece. Gosto de conhecer pessoas. Acho que, por exemplo, todos os dias conheço um bocadinho mais da Marta e ela é minha amiga.
Nem sou de me deixar de dar com alguém porque outra pessoa que se acha minha amiga está chateado (ou chateada) com essa pessoa. Sou individual, sou de todos.

- Já participou em algum campeonato de surf? O que significou para si?
Eu nunca participei num campeonato mais a sério a nível de surf, mas também admito que não é algo que me chame muito à atenção. Prefiro fazer freesurf. O que não quer dizer que não me preocupe em melhorar cada vez mais e aumentar o meu nível de surf, apenas não gosto de competir e de ver ondas surfadas a serem avaliadas. Mesmo sabendo que é a competição que ajuda a desenvolver o desporto.

- Descreva o que sente quando está no mar em cima de uma prancha?
Sinto-me Carolina Pereira. Sinto-me livre e com o poder de mudar o mundo.

5. Música
- Que estilo de musica prefere? Porquê?
Prefiro Reggae e Ska. Mas sei ouvir um bocadinho de tudo. São as musicas que me fazem sentir melhor.

- O que é que esse estilo de musica lhe transmite?
Transmite-me alegria, tranquilidade, ou quando preciso: alguma pica para viver e vontade de me meter ai aos pulos no meio da rua.

- O surf tem alguma coisa relacionada com este estilo de musica? Porquê?
Penso que não. Há quem goste de ir a ouvir um grande rock para a praia para lhe dar adrenalina para surfar, ou quem prefira ir a ouvir musica mais slow para estar calmo e relaxado para a surfada. Há sempre aquele estilo de musica a que chamam “musica surf”, mas quem ouve esse estilo e acha que é mais surfista por isso… são os morangos.


6. Vestuário
-
Como se veste no seu dia a dia? Porquê?
Visto-me com o meu próprio estilo, mas é sempre com roupas práticas. Não sou muito de estar a vestir isto ou aquilo apenas porque fica bem.

- Como se sente quando é necessário usar um traje mais formal?
Um pouco desconfortável. Não gosto muito.

- Qual a influencia do surf na sua forma de se vestir?
Eu já me vestia assim antes de fazer surf, a única diferença é que quando ia à praia não vestia o fato isotérmico e agora visto.

- O que pensa dos miúdos que gostam de vestir Billabong, Ericeira, O`Neal, etc, como se fossem surfistas mas que na verdade não são?
Penso que também já respondi a esta pergunta.

- Para si, a que se deve o sucesso dessas marcas junto dos mais novos? O que é que essas marcas transmitem/Que sonhos vendem?
Oh, está muito relacionado não com o facto de ser roupa de surfistas mas sim com o marketing que a marcas fazem. Se com a publicidade parecer que é “mais fixe” usar aquela roupa, os miúdos vão querer usar. Se não, não vão. Independentemente se ser de surfistas ou não.



domingo, 6 de junho de 2010

Porque te levantas? Pelo Espírito.

Porque te levantas?
Eu? Pelo Espírito.

Tuff. Tuff. Pedra. Tuff. Concha. Tuff. Pau.

Que temperatura está?
Estão menos três graus.
Então, porque te levantas?
Eu? Pelo Espírito.

Tuff. Tuff. Pau. Tuff. Pedra. Tuff. Concha.

São seis horas da manhã.

Frio. Sinto frio. Mas não por inteiro.
Tenho o coração quente.
Sinto-o, o frio, nas pestanas, nos pés e nas mãos.
Sinto-o, o quente, nos braços, nas pernas e no peito.
Para ser sincera, agora, perante esta tão bonita paisagem, não sinto nada…
Não é que não sinta o frio e o quente, o vento da maresia e o frio da madrugada…
Não é que não sinta a terra a dormir, porque, a esta hora, consigo ouvir os outros a respirar em pleno sono: Inspira, expira, inspira, expira. Sonha.
Gosto de estar aqui, de pés na areia, a tentar adivinhar se alguma das pessoas que dorme para lá dos estores fechados, leva a mesma vida que eu… saber se são parecidos comigo…

Tenho fome. Neste momento, nenhum deles está com fome.
Na verdade, nenhum deles tem coisa alguma…
Não têm porque dormem.
Eu, estou acordada.
Estou acordada e estou aqui.
Não vejo mais ninguém para alem de mim, que de facto, também não vejo.
Mas vejo a minha prancha, espetada na areia.
Não está mais ninguém.
Por isso, não levam a vida que eu levo, nem são parecidos comigo.
Afinal o que não sentes tu?
Não sinto emoções. Acho que morri…
Quando estou aqui, em frente ao mar, que tanto respeito… sinto-me pequena. Parece que não existo.
Mas é neste momento, que me encontro a mim mesma.
Não sei o que me deu! Estou a correr… estou a correr contra o mar como se fosse meu inimigo e eu o estivesse a atacar.
Com a prancha debaixo do braço e passos largos… os pés começam sentir a agua antes de tudo o resto…
Mergulho agarrada à prancha por baixo da onda e… AFINAL, ESTOU VIVA!
Nunca estive tão viva antes.
É neste momento em que um dos seres mais pequenos do planeta, se envolve num momento grandioso e poderoso, é no momento em que não me sinto apenas eu, mas sim, mar também.
É quando a onda vem com força para me meter em pé, quando dançamos juntas, que sei porque me levantei tão cedo.
Porque gosto de estar aqui, porque é que não me importa o frio, o vento ou a chuva, o porquê desta “obsessão”, o porquê deste vício…

… é PELO ESPIRITO!

Caro Duke Kahanamoku…

Não sei bem por onde começar, nem sei se o devia fazer… é um desafio muito grande para alguém tão pequeno como eu.
Tenho tanto a agradecer-lhe que me limito a agradecer o simples facto de ter existido.
Não! Nem os meus pequenos monólogos, com os sentidos mais apurados ou com os adjectivos mais poderosos que encontrar… nunca vou conseguir escrever nada que se compare ao que tanto quero engrandecer.
Poderia agradecer à Natureza pelas ondas, pelo vento…
Por me deixar cresces com olhos de ver, com pernas para me meter em pé, com mãos e braços…
Por me deixar sentir todos os pormenores, desde a remada até à mais complicada manobra que consigo fazer…
Por tudo isto e muito mais, podia agradecer-lhe. Mas se agradecer e engrandecer tudo isto, o que faço eu a quem apresentou o surf ao mundo? A quem apresentou a melhor forma de desfrutar desses presentes dados pela Natureza? Quem soube dar, da melhor forma, uso aos braços, às pernas e aos olhos?
Mas, para agravar a situação, alguém não se limitou a fazer apenas isso, e criou algo que hoje é a vida de muitos comuns como eu.
Mostrou, de uma forma tão clara que até os mais cegos, não conseguem não ver… um modo de vida, uma arte, um cheiro, uma cor, uma cultura.
A esta hora, em qualquer parte do mundo, estaram mais uns tolos a tentar (de uma maneira ou outra) escrever-lhe a agradecer, tal como eu.
Tolos! Mas tentem, tentem…!
Tu (e agora dou-me ao luxo de te tratar por ‘tu’, para criar aqui uma certa empatia) criaste um outro mundo com uma nova filosofia, deste o que homens novos precisavam para construir uma nova humanidade.
A maior parte dos habitantes deste pequeno (grande) planeta azul, passam as suas vidas afastados da água, das ondas, do oceano.
Nós, aprendemos uma nova forma de nos movimentarmos e por mais estranho que pareça, preferimos o mar à terra e a prancha ao carro, o cheiro da maresia ao perfume chanel, as madrugadas na praia às noitadas na LUX, a espera por uma onda à espera na fila de cinema (mesmo que o momento pelo qual estamos a esperar tenha uma duração inferior, e secalhar, até é semelhante ao ultimo).
Para alem disso, esperamos por algo que não temos a garantia que venha, aquela onda perfeita pode não aparecer.
No entanto, quando saímos da agua, estamos apaixonados por ela, mesmo que nunca a tenhamos visto, sonhamos e deliramos com ela, todos os dias.
Este movimento é um bocado estranho, admito.
Eu, por exemplo, pareço uma ‘maluquinha’ que arranja mil e uma escapadinhas para agarrar no seu melhor amigo (o fato isotérmico), ligar ao seu vulto de estimação (neste caso, é o Diogo) e meter-se dentro de agua.
Quando dou por mim, lá estou eu a encher o meu quarto com conchas e fotografias de surf, secalhar, para me tentar aproximar mais do meu habitat natural.
Por isso, o surf é mais que um desporto.
É uma forma de estar, pensar e agir.
O mar, sem nos apercebermos bem disso, dá-nos lições que fazemos transparecer no dia-a-dia. Tenho tanto respeito a ele, como aos meus pais e avós (mal comparadamente), porque também ele me ‘criou’ e educou.
Sem ele, de certo que não seria como sou hoje.
O surf transporta-me para o meu ‘estado zen’, faz-me sentir equilibrada.
Por pior que seja a situação, por favor, deixem-me ir surfar! Depois de surfar, estarei pronta para vos dar as respostas e encarar os problemas ‘tete a tete’.
No momento em que o meu corpo se ergue bem assente na prancha, quando nada me importa a não ser aquele segundo, o ‘agora’, o ‘já’… é nesse momento que encontro as respostas para o depois, para o que vai ser…

Bem, acho mesmo que os surfistas deviam adoptar uma bandeira e assumirem-se como ‘marginais’.

Hasta. Obrigada.