quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Dankie, beste vriend.

O lápis pousou na folha com leveza. Manteve-se estático.
Queria escrever mas não sabia bem sobre o quê. Faltava a inspiração, o tempo, a calma, mas ainda assim… queria rabiscar.
Por vezes é complicado escrever um texto sem que tenha o ambiente propício a isso.
Cais do Sodré, 13h46.
Estou sentada à beira rio, com o cheiro do marulho muito sentido, rodeada de gaivotas, musica nos ouvidos.
Apesar do vento, do frio e das gotas de água que de vez em quando me batem nas mãos, não trocaria (e de certo muitos de vocês também não) pelo quente do café, a mesmice das paredes.
Depois, devagar, a caneta já se movia, desenhava letras e símbolos no papel e eu ainda não me tinha decidido.
Parecia que a mão, com toda a vontade que tinha em escrever, tinha-se conseguido libertar do resto do corpo, tornar-se independente.
A mão era um corpo, com cabeça, tronco e membros, maior e vacinada, que agia por si só.
Deixem-na crescer e tornar-se responsável pelos seus actos!
Os olhos começaram a fechar, negavam a imagem certa do que se estava a passar.
Senti um sopro na cara. Vi, de novo, a minha mão, mas eu estava na água, sentada na minha prancha.
É impressionante aos outros como é que nós, surfistas, amantes do mar, temos sempre tendência em estar mais perto da Natureza.
Esta urgência, quase ‘desespero’, esta insistência em sair do dito ‘normal’, do socialmente rotineiro.
Queria surfar. O corpo estava vegetal e só acordaria daquela espécie de coma para apanhar uma onda.
Tirando essa situação, continuaria estanque, morto no movimento. Salvo a mão, que continuava a dançar e desenhar círculos de cores.
Sempre que estou na água sinto que é o local certo onde deveria estar naquele momento, mas desta vez, havia qualquer coisa de errado.
A mão, essa, continuava a passear entre as milhares de gotas, ansiosa por me dizer algo.
Nós perdemos, nós ganhamos. Temos aquilo a que chamamos de liberdade.
Somos todos livres, mesmo existindo relações a que damos vulgarmente o nome de ‘amizade’ ou ‘amor’ para nos juntarmos em grupos, para fazermos parte de alguma coisa e sermos, realmente, alguém.
Se formos a tentar saber qual é o valor de mil pessoas no Universo, não é praticamente nenhum. Parecemos insignificantes formigas, tontas, no nosso minúsculo Universo, criado à nossa medida.
Vivemos, muitas vezes, como se não existisse mais nada para alem disso, para além das leis a que estamos sujeitos, nada para alem da nossa ‘costa’, nada para alem dos afazeres, nada para alem do que vemos.
Vivemos com o que as outras formigas nos dizem ser certo.
Mas, deu-me para pensar no que efectivamente nos torna diferentes e faz com que a nossa existência seja preciosa. São as ligações, as relações. Essas, são a razão.
Existem, no meio do formigueiro, algumas ou alguma que nos faz pensar que seriamos capazes de abdicar de nós mesmos pela ‘amizade’.
Todos crescemos e somos atropelados uns pelos outros, apesar de irmos todos para o mesmo lugar. Todos envelhecemos, perdemos, mas nem todos esquecemos.
Esquece quem não tem de quem se lembrar. Não sejamos tão impertinentes com a vida. Lembrei-me de quem, daqui a uns anos, poderia nunca mais ver. Lembrei-me de quem, daqui a uns anos, ainda me vou lembrar. Espero, claro, conseguir continuar com esta união. Também vocês esperam continuar com algumas das vossas, mais do que as outras. Espero conseguir ver se teve sorte, se continua a mesma, se está a sair-se bem, se tem quem faça o que faço agora por ela.
Vamos refrescando as nossas relações, fazendo ‘upgrades’.
Mas existem sentimentos que não mudam.
Existem formigas que valem mais que as mil, por quem subíamos ao monte mais alto e abanava-mos uma bandeira branca com toda a pujança, para tentarmos aumentar o nosso tamanho, por quem parávamos o mundo para as deixar passar, por quem quebramos esta nossa rotina, esta nossa vida egoísta por natureza.
As pessoas, pelo menos como essa de que me lembrei, valem a pena!
Aliás, são o que nos torna imensos, o que nos faz estar, o que nos faz ficar, ir e voltar. Se uma pessoa, por mais minúscula que seja, consegue marcar a vida de outra, pelo menos na medida em que o seu ‘estatuto’ não muda ano após ano, então, não seremos assim tão pequenos, tão fracos, tão insignificantes.
Existem pessoas por que faz sentido perder o comboio para apanhar o próximo, por quem vale a pena esperar para podermos ver uma nascente em conjunto, por quem vale a pena correr, acreditar, surfar, escutar… ser.
É um ciclo. Todos nos movemos por alguém, ou por alguns ‘alguém’.
E, infelizmente, todos nos esquecemos dia após dia de agradecer a quem devíamos. Esquecemo-nos de lhes agradecermos por nos chatearem, por nos ‘esmolarem’, por nos cansarem, por nos fazerem sentir pequenos ao lado deles.
Se não fosse isso, não faria sentido cá estar.
Agradecer por nos gastarem, por fazerem de nós úteis, por fazem de nós alguém no meio da multidão.
Uma das pernas tocou na outra com o balanço das ondas e, aos poucos, fui começando a sentir-me. O coração gritava, os músculos enrijavam, e os braços remavam com toda a força.
Acordei! Não estava a surfar de facto, continuava sentada, no Cais do Sodré, e eram 14h24.
Ah! Mas, antes que me esqueça, obrigada.
Dankie, beste vriend.