sábado, 12 de março de 2011

Bleach-free Process.

Preciso do escrito para escrever.
Não conseguiria escrever sobre o calor do sol nos galhos e no rosto se, de facto, não o estivesse a sentir.
Não conseguiria escrever sobre o silêncio se, de facto, não o estivesse a ouvir.
Não conseguiria escrever sobre a necessidade de paz se, de facto, não estivesse a carecer.
Normalmente escrevo ao som de uma música que se adeqúe ao que quero transmitir, em que a balada é o ritmo com que desejo desenhar os meus parágrafos, marcar as minhas vírgulas e definir os pontos finais.
Sempre a mesma música, a repetir, até que a crónica esteja melodicamente findada.
Esta é a minha primeira ausência de som.
É este mesmo ritmo que quero levar: calmo e silencioso.
Todos temos necessidade de compreender certas coisas, mas por vezes não deveríamos simplesmente tentar afastá-las da nossa mente?
Não nos deveria ser oferecido o tempo para termos tempo para alguma coisa?
Ou a calma para podermos decidir o que queremos e não queremos que nos ocupe?
Ou o silêncio para escolhermos o que queremos escutar?
Poderia agora dizer, como seria esperado, “Passo a explicar”, mas não. Tal como as ditas “maçadas” que se metem à frente no caminho que mais ou menos vamos tentando esboçar e não são explicadas, eu não irei explicar nada… alguém irá entender, com a tranquilidade e os minutos necessários para isso.
Existe um agregado de pessoas que tenta sentir a Natureza, viver na paz e respirar.
Não compreendo qual é a urgência de tantas outras complicarem o que é (e não é) complicado, de procurarem sempre mais ansiedade e revolta para o espírito.
Não compreendo o porquê de não filtrarem o importante do secundário.
Será para eles a tranquilidade incomodativa?
Será para eles o cheiro natural desagradável?
Não assimilo a confusão sabendo que tanta confusão carrega.
O falso e o confuso existe, sem ser preciso nada mais.
Existe também pessoas para as quais não existe.
Chega. Não tenho de compreender.
Ainda que compreenda, tal dúvida não irá desaparecer.
Ainda que compreenda… não irei entender.
Preciso e penso que precisamos (permitam-me esta ousadia de arbitrar) de calma e silêncio.
Calma e silêncio para escolhermos o que nos ocupa e nos gasta, o que nos confia e devemos confiar.
Tudo e todos são tão breves, tudo e todos temos erros, defeitos… mas tudo (quase tudo) e todos (mas nem todos) temos algo de bom, de bonito, de eterno.
No meio da nossa rotina, mais ou menos arrojada, no meio da nossa estrada, seja mais ou menos cobiçosa, vão-nos aparecendo pedras no sapato, correntes no mar, silvas na relva…
Algumas vezes pego na prancha e enquanto lhe renovo o wax penso em tudo o que tenho para resolver, deixo que a confusão se apodere da minha alma e quase como automaticamente, todas as pessoas, todas as citações e todos os problemas tomam o mesmo peso.
Atropelam-se, empurram-se para entrar no metro, gritam uns com os outros, mentem descaradamente em nome de um nada que não passa de cobiça, maldade ou… um nada com nada a justificar.
Nesse momento desconfio, riu-me para dentro enquanto choro por fora, ou riu para fora enquanto choro por dentro. Nem sei bem o que faço.
Duvido que essas vozes também saibam o que contam.
É como se num café ao fechar os vistos, ouvisse muitas pessoas a conversas, risos, discussões, desabafos e lá no cavado… o som das teclas de um piano (ou de um violino), a calma, o silêncio a tocar, a melodia do jeito.
Fácil de se entender este processo.
Depois, onde realmente importa alguma coisa, existe uma voz que se cala em cada rasgada, um amigo que se destaca em cada remada, um objectivo que se levanta em cada tubo, cada parede, uma despoluição… Paz.
Sento-me na prancha, cansada, e separo o útil do agradável, quem quero de quem não quero, o que quero do que deveria querer, o importante do urgente, o que faz parte da vida do que é a minha vida.
Escolho prejudicar-me por algo que considero essencial, escolho não escutar todas as pessoas mas deixar apenas umas três ou quatro (e o piano que entretanto se transformou numa guitarra velha), escolho simplificar, sentir e ser.
Escolho principalmente ser. Escrever o escrito.
Esquecer a corrente e ver a cor da água do mar, sentir a sua textura (se é que o mar tem textura) e ouvir as ondas rebentar. Tentar ter de tal forma os ouvidos apurados que consiga ouvir a formar a vaga, o crescer, o criar. Tenho uma ideia!
Uma concha em cima de uma rocha, estão a ver?
Simples.
Não preciso que seja uma concha muito grande e especial, nem uma rocha que se transfigura. Apenas: uma concha em cima de uma rocha.
Apenas o apenas e apenas isso.
Existem famílias que se vão separar pela natural complicação que a vida carrega, mendigos por injustiças, presos por mentiras, pobres por egoísmo, velhos que nunca foram jovens, jovens que sabem que não chegaram a velhos, existe amor sem comodidade, amizade sem interesse, a oportunidade de errar e do arrependimento, a calma existe, a paz de consciência e… a satisfação.
Fácil de entender este processo.
Fácil de entender que é preciso parar para avançar.
Fácil de entender que se deve escolher o deveras sentido.
Eliminar as segundas vozes, os figurantes, e encarnar a nossa personagem favorita.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. De facto é preciso parar para escolher e cada escolha é simultâneamente um aceitar e uma recusa em que momentaneamente se privilegia uma coisa a outra. Saber escolher é um acto de inteligência e maturidade pois a juventude e imaturidade tendencialmente levam a que se queira "abraçar o mundo com as 2 mãos", levando a um frenesim e a uma sofreguidão que funciona como uma éspecie de auto-recusa em escolher, para não prescindir. 'Páre, Escute e Olhe !" (onde é que eu já li isto ??) :)

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  3. Crítica "destrutivo-construtiva" : Deverias de ter coragem para também escolher e anular algumas frases dos teus textos. Existem frases ou 'mini-parágrafos' que não são tão bons como a maioria e que acabam por 'diluir' um pouco o impacto global do texto. 'O Bom é inimigo do Óptimo' e tu estás muito perto de o alcançares. Continua, ... com calma ! :)

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  4. Tu pensas como tantos, e como poucos consegues escrever o que pensas. E depois escreves o que muitos pensam, mas não conseguem dizer nem escrever. Bonito, Carolina.

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